Reflexões #02 - Geração de Transição

E lá venho eu novamente, um ano depois, atualizar esse blog e dizer que é provável que eu não escreva aqui novamente... Pelo menos agora sabemos que minha palavra não é tão confiável.

Fonte: Unsplash by Fernando Lavin
Fonte: Unsplash by Fernando Lavin
Recebi um comentário em um post que fiz aqui sobre minhas reflexões sobre o passado que nunca imaginei que alguém realmente leria, muito menos comentaria. Acabei por ver meses depois de ter recebido aquele comentário, mas fiquei muito feliz por recebê-lo. É provável que a pessoa que escreveu não esteja lendo isso agora, mas ainda assim eu queria agradecer pelas palavras. E elogiar seu modo de escrever, que transmite muita calma e tranquilidade.

O motivo de eu estar escrevendo esse post é como forma de atualizar um pouco essas minhas reflexões do passado, mas também, de certa forma, como resposta àquele comentário, porque ele me fez refletir um pouco sobre algumas questões da vida.

Primeiramente devo dizer que concordo com tudo que você, leitor que deixou o comentário, escreveu. Mas um ponto em especial me deixou presa. Me fez pensar se a vida realmente é assim - ou se pode ser assim - que foi quando você escreveu que "a vida é simples, nós é que a complicamos".

A questão que me prendeu acho que foi porque eu sei que isso é, de certa forma, verdade. Sinto isso. Mas ao mesmo tempo não é de todo verdade. Se nós a complicamos, deveríamos ter o poder de descomplicá-la, certo? Mesmo que levasse anos de terapia ou vontade de mudar. Mas eu acho que é uma questão que vai muito além de nós como indivíduos.

Eu sinto que chegamos em um ponto, como sociedade, em que até as coisas mais simples são complexas. Muito é esperado da gente, e nós também esperamos muito dos outros. De forma que mesmo que eu, como indivíduo, pare de esperar dos outros e de mim mesma, ainda teremos uma sociedade inteira nos pressionando para sermos mais, sermos melhores, mesmo que não seja o que nós queiramos.

Acho que essa questão que você me escreveu me prendeu tanto que demorei um ano para decidir responder. Eu tenho pensado muito sobre isso. A culpa de eu me sentir perdida é minha? É da sociedade? Por que praticamente todo mundo da minha geração está também se sentindo assim? O que aconteceu que nos transformou em uma geração inteira sem propósito, ansiosos, sem perspectivas para o amanhã? Por sinal, eu perguntei para todos os meus amigos da minha idade se eles também se sentiam um pouco perdidos com relação ao futuro e TODOS, sem exceção, me responderam que sim.

Então quando eu digo que concordo com você, eu realmente concordo que nós podemos simplificar nossa vida. Mas até que ponto isso realmente está em nosso controle? Eu realmente posso deixar tudo pra trás e ir viver uma vida simples? Isso realmente é possível? Eu posso me livrar do julgamento dos outros, mas os outros sempre estarão ao nosso redor. Eu posso me livrar desse ponto de vista "negativo" que tenho quanto ao meu futuro, mas também até certo ponto. Afinal, eu e uma geração inteira crescemos sendo, de certa forma, "doutrinados" a ponto de todos nos sentirmos dessa forma mas ninguém achar uma solução.

Do meu ponto de vista, calhou de nascermos na época errada. O mundo precisa de mudanças urgentes e jogaram todo esse peso sobre as nossas costas, mas não fomos preparados pra isso. Somos uma geração da qual se espera que represente uma transição da vida como conhecemos para outra melhor. Eu posso ignorar essa responsabilidade que me foi transmitida sem meu consentimento? Posso. Mas eu sei que, de certa forma, vai continuar sendo minha responsabilidade. Posso ignorar, mas não posso me livrar totalmente desse pensamento, porque fui condicionada a acreditar que isso é minha responsabilidade, e que eu preciso me importar com as gerações futuras mais do que as anteriores se importaram conosco.

Comentários

  1. (Parte 1 do comentário)
    Bom momento, Isadora.
    Foi uma boa coincidência ter visto esse seu último post no blog. Há alguns dias, enquanto digitava algo no buscador, teclei algumas das letras que fizeram o histórico sugerir o seu endereço de blog. Entrei e me deparei com a sua postagem. Ao reler o comentário que escrevi na ocasião passada, fiquei levemente envergonhado: o seu relato anterior me pareceu tão pessimista que eu, estando numa condição então confortável, naturalmente decidi lhe escrever algo amistoso. Obviamente que há muitos exageros ali. No comentário há uma máxima ingênua, encerrada por um "seja feliz" que, admito, me fez corar. Não há verbo ou força de vontade capaz de cumprir tal tarefa. Se assim o fosse, estaríamos todos extasiados e com poucos problemas. Contudo, me mantenho firme sobre a afirmação provocadora, que despertou suas novas reflexões: a vida é simples. Afirmo isso com alguma incerteza e sob pena de estar cometendo mais uma grande gafe. Afinal, alguém com seus vinte e poucos anos que afirme qualquer coisa de definitivo sobre a vida deve gerar a desconfiança de quem tem juízo. Porém, nada mais me parece tão certo quanto isso. O restante desse meu comentário é uma sustentação do porquê d'eu pensar assim.
    "A felicidade que experimentei nos meus últimos melhores dias não foi provocada por algo extraordinário. Nada disso. Sentia um contentamento gigantesco pelo simples fato de estar vivo e poder compartilhar os meus últimos melhores dias com as pessoas que me cercavam. Para alguém que passou a vida toda desconectado, apavorado e ansioso, aquela sensação era estupenda".
    O trecho vem de "Os últimos melhores dias da minha vida", do jornalista Gilberto Dimenstein, que faleceu recentemente devido a um câncer de pâncreas. Trata-se de uma obra póstuma. Cito este livro em particular, pois o li há pouco, mas esta mesma visão otimista sobre a existência é extremamente comum vindo daqueles que sofrem de males incuráveis. Quase todos convergem na causa de tal otimismo: a apreciação das coisas mais simples da vida. Assistir ao nascer do sol, passar um tempo com a família e amigos, uma comida agradável, etc. O que me fascina sobre isto, e que imagino ter sido uma de suas indagações, é que: uma vez cientes da importância destes aspectos “menores”, como ainda somos capazes de nos angustiar com bobagens e objetivos megalomaníacos. Será preciso sofrer um acidente incapacitante, se ver diante de uma morte inevitável ou qualquer tragédia que venha a encurtar a vida para entendermos (e aproveitarmos) o que de fato é importante? Eu não tenho resposta.

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  2. (Parte 2 do comentário)
    No texto anterior, eu havia entendido que sua percepção negativa acerca do futuro, assim como as incertezas, dizia respeito ao que é particular. Aqui, você levanta pontos interessantes sobre as cobranças e responsabilidades geracionais. O mundo tem se transformado depressa. Hoje, a internet e seus desdobramentos nos enchem de estímulos e expectativas irrealistas. Há mesmo uma exigência para um constante bem-estar e alta produtividade. Ao mesmo tempo, o sofrimento, algo natural e demasiado humano, é repelido e evitado a todo custo. Lembrei-me de um vídeo que assisti há bastante tempo. Trata-se de uma entrevista conduzida por Drauzio Varella a um psiquiatra chamado Daniele Riva. As perspectivas deste último, então inéditas para mim, moldaram minha percepção sobre o problema. Fica a recomendação: https://youtu.be/umZTU8hFo1M.
    Quanto as grandes questões que tocam nossa geração, tenho algo mais a dizer. Sou um pouco cético se a nossas responsabilidades são assim tão excepcionais. No passado, creio ter havido gerações com responsabilidades imensas. Para citar apenas alguns exemplos dos anos 60: penso nos hippies e seu movimento contracultura e antibelicista, pressionando uma potência que cometia atrocidades no Vietnã, numa guerra insustentável; a geração africana responsável pela reconstrução de seus países pós-independência; os jovens que experienciaram e lutaram os agudos dias de 1968, ano que abarcou, simultaneamente, a revolta estudantil francesa, a revolução cultural chinesa e o início do que seriam os ‘anos de chumbo’ no Brasil. Toda geração conta com sua parcela de responsabilidade. Não sou religioso, mas faço uma analogia inevitável. Trata-se de um peso semelhante a culpa cristã. É como se cada geração nascesse sob o peso de um pecado, não o pecado original de Adão e Eva, mas um cometido pelas gerações imediatamente anteriores.
    Por fim, cito um trecho de um de meus livros favoritos:
    “Cada geração tem a sua fantasia em relação à civilização: uns creem que estão participando de sua expansão, os outros, que são testemunhas de sua decadência. Na realidade, ela resplandece sempre, mantém-se e extingue-se, em função do lugar e do ângulo do qual a observamos. Esta geração que agora está examinando questões filosóficas, sociais e políticas na porta, sobre as estrelas, acima da água, apenas é mais rica em ilusões; de resto idêntica em tudo às demais.” Ivo Andric, Ponte sobre o Drina.
    Desculpe-me pelo comentário longo. Preferi assim, pois reduzo as chances de falar alguma bobagem tão grande quanto a que escrevi anteriormente. Sinta-se à vontade para me contatar: gustavo.c7248@gmail.com.
    Abraços.

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    Respostas
    1. Olá Gustavo, tudo bem? Muito obrigada pelo seu comentário, eu aprecio muito sua perspectiva da vida.
      Eu vi seu comentário alguns meses depois de você ter publicado. Mas não sei, não estava muito inspirada, muito animada para responder. Então acabei deixando de lado. Por algum motivo, hoje acordei inspirada. Eu não gosto de deixar pontas soltas, então eu acho que seu comentário sem resposta estava me deixando inconscientemente incomodada.
      Obviamente, muita coisa mudou desde 2021.
      Eu concordo com você sobre o peso que cada geração teve que carregar. Não somos especiais. Acho que na época que escrevi esse post, estava especialmente sensível e incomodada, por viver em uma realidade comandada pela geração anterior, que não entende e parece não querer entender o que a geração atual quer. Eu digo isso porque fiz faculdade de negócios, trabalhei no mundo corporativo, e não vi espaço para minha visão lá, e muito disso influenciou tanto esse post quanto o anterior.

      Sinto em dizer que, apesar da passagem de tempo, eu continuo desanimadoramente pessimista. Não que eu veja isso como um problema, é só uma característica minha, não afeta tanto assim a minha saúde mental e está tudo bem. Sendo sincera, eu gosto que meu pessimismo me faz ir atrás de coisas melhores, de melhores respostas, em não me conformar. Ainda tem seus contras, mas acho que é assim com qualquer filosofia com a qual você queira viver.

      Ainda assim, eu entendo o que você diz sobre a felicidade estar na simplicidade das coisas. Apesar de não concordar com o termo "felicidade", que eu não acho que realmente exista, eu concordo que os momentos de maior paz na minha vida foram os momentos de calma, de aproveitar o agora. Infelizmente ao custo de me alienar da vida externa, mas ainda assim, eu pude encontrar esse sentimento a que você se refere.
      Eu passei por alguns problemas de saúde ao longo dos últimos 5 anos que me fizeram ver a morte de perto algumas vezes. Acho que como cada um reage é muito particular. Eu, particularmente, entrei em um estado mais introspectivo, mais questionador. Eu não vi exatamente a beleza da vida, mas o absurdo dela. Acho que foi isso que me fez encontrar "conforto" (identificação) com o pessimismo e o absurdismo. Acredite, eu tentei transformar minha visão de absurdo em beleza, mas só gerou mais absurdos, então eu os aceitei ao invés de negá-los, e não me arrependo.

      Mais uma vez, muito obrigada pelo comentário, e por me fazer pensar e repensar em tópicos que não tenho a oportunidade de pensar muito fora daqui.

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